O Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento do Tema Repetitivo 1.210, que promete impactar diretamente as formas de cobrança de dívidas empresariais no país. O tema discute se o simples fato de a empresa não ter bens e/ou ter encerrado suas atividades de forma irregular já é suficiente para que os sócios respondam com seu patrimônio pessoal.
Para credores, empresários e profissionais do direito, essa decisão pode mudar o cenário da segurança jurídica e da recuperação de créditos no Brasil.
1. O que está em discussão?
A desconsideração da personalidade jurídica (DPJ) é um instrumento que permite que dos bens particulares dos sócios respondam pelas dívidas da pessoa jurídica, quando a empresa é usada de forma abusiva, como por exemplo, para cometer fraudes, desviar patrimônio ou se esconder de dívidas.
Hoje, o Código Civil determina que isso só deve ocorrer quando houver:
- desvio de finalidade
- confusão patrimonial
Essa é a chamada teoria maior, mais rígida, que exige prova concreta de abuso.
Já a chamada teoria menor, mais flexível e usada em áreas como consumidor e trabalhista, permite a desconsideração quando a empresa está insolvente ou quando sua estrutura se torna um obstáculo para o credor, sem necessidade de provar fraude ou má-fé.
2. O que o STJ vinha decidindo até agora?
Até o início deste julgamento, o entendimento predominante no STJ era o de que a desconsideração deve ser excepcional, ou seja, o encerramento irregular e falta de bens, por si só, não seriam motivos suficientes para responsabilizar os sócios. Para isso, seria indispensável uma prova robusta de abuso.
3. O novo debate: como evitar a “inadimplência estratégica”
A discussão voltou a ganhar força com o voto da Ministra Nancy Andrighi, que trouxe um olhar mais rigoroso contra práticas que podem prejudicar credores.
Segundo ela, quando há o encerramento irregular da empresa
e ausência de bens penhoráveis pode indicar um abuso estrutural, ou seja, uma forma indireta de evitar o pagamento das dívidas.
A Ministra alertou que, se o Judiciário não reconhecer a responsabilidade dos sócios nesses casos, abre-se espaço para um comportamento perigoso: a empresa fecha as portas, some, reabre em outro local e o credor fica sem qualquer resposta. Isso seria, na prática, um estímulo à impunidade empresarial.
4. Por que essa decisão é tão importante para os credores?
a. A maior dificuldade da Justiça está na execução, não na sentença
Cerca de 70% das execuções cíveis e empresariais falham por falta de bens localizados.
Em outras palavras, isso significa que ganhar o processo não basta se a empresa simplesmente desaparece.
b. Risco de institucionalizar a impunidade
Permitir que empresas encerrem atividades sem prestar contas enfraquece o sistema de crédito e aumenta o custo das operações financeiras.
c. Incentivo à fraude
Exigir provas muito difíceis para instaurar o pedido de desconsideração pode, na prática, premiar quem se desfaz da empresa de forma irregular e penalizar o credor diligente.
A desconsideração, nesse sentido, não é um castigo, mas um mecanismo de equilíbrio contratual e de proteção contra o uso indevido da estrutura empresarial.
5. Qual será o impacto da decisão final?
Como o Tema 1.210 está sendo julgado sob o rito dos recursos repetitivos, sua conclusão terá efeito orientador para todos os tribunais do país.
Não é uma súmula vinculante, mas tem forte influência prática e deve:
- padronizar decisões
- aumentar a previsibilidade
- evitar interpretações divergentes
- trazer mais segurança para o mercado e para credores
Trata-se, portanto, de um julgamento estratégico para o futuro da cobrança de dívidas e da governança empresarial no Brasil.
Artigo escrito por Bruna Pirino – Departamento Cível.
