A automação contratual por meio da inteligência artificial (IA) representa mais do que uma inovação tecnológica: trata-se de uma mudança estrutural na forma de conceber as relações jurídicas. Embora traga ganhos em eficiência e padronização, a substituição da análise humana por algoritmos exige cautela: até que ponto é possível garantir segurança jurídica sem respaldo técnico especializado?
Ferramentas digitais já redigem, revisam e estruturam cláusulas contratuais com base em grandes volumes de dados. Os benefícios são claros, agilidade, uniformidade e redução de custos, mas não eliminam a necessidade de supervisão jurídica, especialmente em contratos com complexidade legal, riscos negociais ou exigências específicas de mercado.
Embora não haja vedação legal ao uso de IA, sua aplicação indiscriminada pode gerar cláusulas abusivas, lacunas normativas e disposições contrárias à legislação. Esses riscos, muitas vezes imperceptíveis a sistemas automatizados, são facilmente identificáveis por profissionais do Direito.
Adicionalmente, a IA não é capaz de interpretar nuances negociais, contexto mercadológico ou realizar interpretação normativa sistemática, que envolve o entendimento da legislação em conjunto com princípios jurídicos e jurisprudência consolidada. A construção contratual exige análise crítica, personalização e discernimento, elementos que a tecnologia ainda não alcança.
A ausência de responsabilidade jurídica da IA também representa um risco. Como não possui personalidade jurídica, eventuais falhas na elaboração ou execução contratual recaem sobre as partes envolvidas, especialmente quando não há participação de um profissional jurídico qualificado.
A proteção de dados e a confidencialidade também demandam atenção. Soluções baseadas em IA operam, em geral, em ambientes online e devem atender à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A atuação jurídica garante conformidade legal e proteção ética das informações tratadas, particularmente quando envolvem dados sensíveis.
Diante de um cenário em que a tecnologia evolui mais rapidamente que a regulação, o papel do profissional do Direito torna-se ainda mais essencial. É ele quem assegura que os contratos estejam juridicamente adequados, alinhados aos interesses das partes e às exigências mercadológicas, promovendo maior segurança e efetividade.
Negligenciar esse equilíbrio pode comprometer justamente aquilo que os contratos buscam assegurar: previsibilidade, proteção e segurança nas relações entre as partes.
Artigo escrito por Gabriela Pires de Souza, Departamento Contratual.